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Falcão, O Deus do Futsal

  • Este artigo foi retirado de um dos mais conhecidos sites desportivos croatas hr. O texto original foi escrito pelo colunista desportivo croata Juraj Vrdoljak e este texto é a nossa tradução livre a partir do croata.
  • Texto original de Juraj Vrdoljak, telegram.hr, 30.10.2018.

 

No desporto, raramente vemos um momento como aquele que testemunhámos no final de setembro de 2016, em Bucaramanga, Colômbia.

A seleção brasileira, uma das favoritas à conquista do Mundial de Futsal, jogou a sua segunda jornada contra a congénere do Irão, uma equipa que chegou à fase eliminatória como uma das melhores terceiras na fase de grupos. Os brasileiros selaram o seu grupo com três vitórias, incluindo uma diferença de golos de 29:5 golos, e todos esperavam que a sua qualificação para os oitavados trouxesse o que as massas esperavam: pelo menos mais duas horas de magia de Alessandro Rosa Vieira, conhecido no mundo inteiro pela alcunha Falcão. O melhor jogador de futsal de todos os tempos, que participava no torneio para bater o recorde de melhor marcador de todos os tempos do Campeonato do Mundo.

Contudo, os acontecimentos chocantes desse dia contam uma história diferente. Falcão marcou três golos no tempo regulamentar e bateu o recorde, mas os iranianos conseguiram responder sempre, forçando um empate final de 4:4. O vencedor teve de ser decidido no pontapé de seis metros, onde uma catástrofe maior atingiu a Seleção: Ari acertou na barra e o Brasil só teria hipóteses se os iranianos também falhassem. Ahmad Esmaeilpour teve a honra de proporcionar um sucesso histórico à seleção iraniana ao concretizar o último e crucial penalty.

Ser eliminado não foi o maior choque - pensou-se também que aquele poderia ser o fim da carreira do Falcão, pois até os maiores ícones do jogo se despedem. Os iranianos também sabiam disso e, em vez de celebrarem sozinhos o seu sucesso histórico, ergueram Falcão no ar – como se não quisessem despertar a ira dos deuses do futsal. Foi uma demonstração de respeito pelo desporto e não apenas resultado. É claro que um jogador sozinho não faz um desporto, mas muito poucos atletas fizeram mais por uma modalidade do que Falcão fez pelo futsal.

Num país como o Brasil, onde todos tentam pelo menos jogar futsal uma vez, e muitos são enormes talentos, isto foi um enorme sucesso.

 

‘O primeiro na aldeia’

O futsal é regido pela lei do espaço, mais do que no futebol. Uma marcação mais apertada num campo menor deixa pouco espaço para a bola, por isso cada movimento de um jogador tem de ser cuidadosamente concebido e ponderado. Isto implica normalmente a necessidade de improvisação, pois muitas vezes um melhor jogo defensivo significa mais problemas quando se procura passes de qualidade na frente. É aqui que entra em cena a dificuldade de driblar em pequenas superfícies, que permite criar esse espaço na quadra de jogo. Mais difícil e mais arriscado, é muito eficaz quando feito com estilo.

Estes talentos e o desenvolvimento dos truques, que são aprendidos desde cedo, são muito úteis se um jogador decidir apostar numa jogada que muitos jovens jogadores de futsal tentam – a transição para o futebol ‘grande’. As tendências estão a encaminhar o jogo de futebol para um espaço cada vez menor e mais estreito e, claro, os truques que se podem adquirir ao jogar futsal são muito úteis. Ser um jogador de futsal extraordinário não significa que esteja preparado para jogar num campo grande.

 

O exemplo de Falcão é clarificador. A sua história resume-se ao eterno tormento de ser o ‘primeiro na aldeia’ ou o ‘último na cidade’ – mas parece injusto descrever assim o futsal, o desporto indoor com crescimento mais veloz no mundo.

Falcão nunca escondeu a sua ambição de jogar na equipa principal do Santos, um clube do qual foi adepto durante toda a vida. Apesar de ter fascinado muita gente com o seu controlo de bola desde jovem, ao mesmo que a sua capacidade de finalização era irreal mesmo para um desporto onde os golos não são raros, Falcão estava sempre à procura de uma oportunidade de jogar futebol. O seu sonho esteve muito próximo de ser concretizado, mas o atleta não tinha a perceção do espaço e a fisicalidade necessária criar uma diferença nesse contexto, o que normalmente é um problema, independentemente do talento. Falcão parecia ter feito as pazes com esse objetivo irrealizável, pois não passou nas captações do Santos, tendo depois começado a fazer nome no futsal com a camisola do Corinthians. Foi também o início da maior carreira na história do futsal.

Foi rapidamente convocado para a seleção brasileira graças às suas performances notáveis, onde não demorou muito tempo a erguer o título de melhor jogador do mundo. Aconteceu em 2004, um ano após a sua contratação pela Associação Desportiva Jaraguá, um dos clubes de futsal de maior sucesso no Brasil. Em sete anos passados na equipa, jogou 230 partidas e marcou uns incríveis 317 golos, ganhando 10 títulos, incluindo 4 Campeonatos Sul-Americanos de Futsal.

 

Excursão de Relva

O seu histórico internacional é ainda melhor. Conquistou dois Campeonatos do Mundo, em 2008 e 2012, com a Seleção Nacional de Futsal do Brasil, sendo oficialmente considerado quatro vezes como o melhor jogador de futsal do mundo! Falcão conseguiu muitas mais conquistas e troféus, demasiadas quiçá para enumerar num texto, mas jogadores assim não precisam de referir troféus para mostrar como são bons no desporto que tanto amam.

Contudo, enquanto talento em ascensão que invadiu o mundo do futsal, alterando por completo a modalidade, Falcão procurou novamente uma oportunidade onde muitos dos seus colegas prosperaram e se tornaram estrelas globais: sob os holofotes de um estádio. Onde não um atleta não é apenas “o primeiro na cidade”, mas o primeiro no mundo.

Esta oportunidade surgiu inesperadamente, desassociada do seu estatuto nos muitos pavilhões desportivos do mundo. O seu irmão mais velho Pedro foi encarregue de instalar unidades de ar condicionado na moradia de Marcelo Gouvêa, um ex-presidente do clube de futebol São Paulo. Desenvolveram uma relação próxima e Pedro propôs a Gouvêa utilizar o potencial de marketing e dar outra oportunidade ao seu irmão mais novo. Gouvêa concordou e em 2005 Falcão fez parte da equipa paulista, assinando um contrato de seis meses sob égide de Émerson Leão, um treinador da velha guarda e o primeiro guarda-redes da história da seleção brasileira de futebol a usar a braçadeira de capitão.

Leão não gostou do frenesim à volta de Falcão. Não só se mostrou cético em relação às suas tentativas anteriores de fazer a transição para o futebol, como também ficou desconfortável com o burburinho que o clube criou para justificar o contrato com um clube tão reputado. Quando Falcão foi lançado como extremo num jogo contra o Ituano, os adeptos entoaram o seu nome e mostraram claramente de que lado estavam. No tempo passado em campo, Falcão não fez qualquer diferença, acontecendo o mesmo no jogo seguinte contra o Internacional. Quando Leão o deixou de fora no terceiro jogo, os adeptos começaram a assobiar Luizão, o escolhido em vez de Falcão.

Quando Leão atribuiu a sua falta de confiança em Falcão devido ao seu fraco desempenho nos treinos, eclodiu um problema. Era sabido, desde o início, que Leão olhava para Falcão como um alienígena do marketing no mundo do futebol, por muito que fosse uma superestrela nos pavilhões. A euforia só começou a diminuir após Cicinho, que se transferiria para o Real Madrid um ano depois, ter dito timidamente que Falcão não parecia estar no seu melhor em campo. No fim da época, a estrela do futsal conseguiu mais alguns minutos no relvado, mas não passou disso. A sua segunda tentativa, embora mais concreta do que a anterior, havia redundado num falhanço. Falcão poderia voltar ao futsal com tranquilidade, após clarificar a questão pendente do futebol. Ele sabia que poderia ser o “melhor da aldeia” e que, no fundo, não há qualquer vergonha nisso, especialmente quando se é conhecido como um feiticeiro com a bola.

 

O Pelé Indoor

Em 2011, jogou pela equipa de futsal do Santos, uma recompensa reconfortante após não ter cumprido o sonho de criança em jogar por esse mesmo clube no “campo grande”. Contudo, não vestiu essa camisola durante muito tempo, pois o Santos fechou a sua seção de futsal, bem como a sua equipa de futebol feminino, para poupar algum dinheiro e tentar manter Neymar no clube durante pelo menos mais uma época. A relação entre estes dois desportos ficou mais uma vez clara para Falcão, pois duas equipas tiveram de desaparecer para tentar manter um jogador de futebol.

Falcão não se queixou, tornando-se o primeiro na aldeia, o melhor naquilo que fazia. Continuou a dominar e a maravilhar espectadores de todo o mundo - até há dois dias, no seu último pelo Brasil, quando ultrapassou a marca dos 400 golos pela sua seleção e colocou uma cereja no topo da sua hercúlea carreira, aos 42 anos. Em clubes, marcou mais de 1000 golos. O “Pelé indoor” fez pelo futsal aquilo que provavelmente mais nenhum jogador conseguiu.

Contudo, no cômputo da história de Falcão, não é exagerado dizer que ele também fez muito pelo seu desejo não satisfeito, o futebol. Com certeza, muito mais do que se tivesse forçado a sua carreira no campo grande para se tornar apenas um futebolista médio. Com uma beleza inigualável e uma facilidade imbatível nas suas jogadas, inspirou muitas estrelas do futuro. A compilação de truques e golos deste Deus do Futsal inspirará as novas gerações durante anos, levando jogadores a imitar os seus passos ou os de Neymar.